Na sequência
de reiteradas vivências profundamente marcadas pela supremacia do gênero
masculino, a mulher começou a despertar lá pela década de 60, dando de forma
mais ou menos extravagante o seu merecido “grito
do Ipiranga”.
Desde aí,
temos assistido a grandes mudanças, embora num ritmo muito diferente dependendo
de que zona do globo observarmos. Ainda assim, todos parecem caminhar no mesmo
sentido: A emancipação do género feminino.
Sendo este um tema central do final do século
passado, valerá a pena hoje refletirmos mais profundamente sobre ele? E
sobretudo, não seria útil compreendermos o que esta revolução significa para
além das evidências? Mais ainda: que consequências nos trouxeram estas grandes
transformações?
Para a compreensão mais profunda deste tema
impõe-se a compreensão da diferenciação entre masculino e feminino e homem e
mulher. Independentemente do sexo há um equilíbrio ideal entre estes dois
princípios, tanto no homem como na mulher. Os animus e anima de Jung.
Um homem tem, assim, aspectos femininos, assim como a mulher tem masculinos, e
no ideal, ambas estas energias devem conviver harmoniosamente em cada ser.
Posto isto, voltamos à questão que nos merece
alguma reflexão. Como se situam as mulheres e os homens nestas grandes
transformações mundiais?
Observando a mulher, é fácil verificar que a
emancipação do género feminino levou à supressão da energia feminina ao invés
da celebração da mesma. Naturalmente, pela opressão sofrida ao longo de séculos,
as mulheres fizeram aquilo que todo oprimido faz, numa primeira fase:
transformou-se no seu opressor.
Então temos mulheres que se transformaram de
tantas formas verificáveis em homens de saia. Mulheres ativas, eficientes,
independentes, positivamente emancipadas, mas também mulheres cada vez mais
afastadas da maternidade, da intuição e afetuosidade que caracteriza o género.
Por outra, não é difícil observar que, do outro lado, temos homens que se
transformaram em mulheres de calças. Verdade: homens mais compreensivos, afetuosos,
e intuitivos, mas também mais dependentes de uma “mãe”, mais passivos e com
menos capacidade de iniciativa. O macho alfa transformou-se em macho beta.
Recordo que para compreender o alcance da
questão é necessário ter em mente que falamos também de um princípio masculino,
que se associa ao hemisfério esquerdo do cérebro e regula o raciocínio lógico,
a razão, à força vital que avança em linha reta, e de um princípio feminino que
se associa ao hemisfério direito e se liga à criatividade, à intuição e à
quietude que acolhe a germinação das coisas.
É legítimo perguntarem agora: estas grandes
transformações são negativas?
Absolutamente.
Para que o equilíbrio se estabeleça há sempre
esta tendência para oscilar entre as polaridades. Essa é a dança das massas. O
oprimido quer ser como seu opressor, e vai sê-lo logo que tiver
oportunidade, assim como colono quer ser
como seu colonizador, a minoria como a maioria, etc...
A questão que se coloca aqui, numa perspetiva
de evolução pessoal, é como não nos deixarmos arrastar pela onda da consciência
coletiva.
Há apenas um caminho: elevando nossa
consciência individual acima da consciência coletiva. Compreender o quadro mais
vasto, ver de forma mais ampla.
É verdade, que é quase sempre inevitável, ou
talvez mesmo necessário, provar a polaridade oposta antes de conseguirmos
situarmo-nos no caminho do meio, onde mora o equilíbrio. Mas perpetuar esse
posicionamento em qualquer um destes extremos é responsabilidade de cada um. A
onda coletiva arrastou a humanidade durante tempos pela supressão do feminino,
tende agora à inversão para o extremo oposto. Saibamos individualmente e como
comunidade equilibrar os polos sem termos de viver as dores que todos os desequilíbrios
trazem.
Temos na história exemplos desta proeza:
resistindo aos instintos mais primários que levam à vontade de subjugar os
opressores, Mandela mostrou ao mundo que outra via era possível: a via da
reconciliação dos opostos. Logo, se foi possível para uma nação, pode sê-lo
para mundo inteiro e para cada um de nós.
Por isso, se é mulher, mergulhe dentro de si
e verifique até onde suprimiu o
feminino. Até onde se muniu de todas as armas para combater num mundo que vê
hostil ? Até que medida, fez tudo o que podia e não podia para corresponder a
tudo o que pensou que lhe exigiam, para nunca mais se rever em situações de
dependência ou subjugação? Quantas vezes calou aquela voz interior que lhe
apontava um caminho, mas que contrariava todas as lógicas? E se arrependeu...
mais tarde, sempre muito mais tarde, demasiado tarde. Quanto adiou a
maternidade, ou a passou para segundo plano por não caber na exigência do ritmo
que se impôs? Quanto suprimiu da sua criatividade livre para executar, fazer,
fazer, fazer?
E se é homem, a questão poderá ser inversa:
pergunte a si mesmo quanto suprimiu o masculino. Até onde levou as suas
desistências? Até que ponto baixou os braços e se instalou no aparente conforto
da passividade? Até que ponto se instalou na dependência de uma “mãe” que pode
ter muitos rostos?
O caminho nunca se faz para trás, logo não se
trata de voltar onde estivemos, pois aí os desequilíbrios era ainda maiores do
que hoje. Trata-se sim, seja homem ou mulher, de acelerar o processo de
equilíbrio entre o princípio masculino e feminino dentro de si,
reconciliando-os, saltando para o meio para evitar a eterna dança entre as
polaridades.
Mónica Guimarães
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